CAPITULO 6
JOÃO, UM CASO À PARTE.
Avistei ao longe lá na pracinha da cidade um cidadão que de longe me parecia um maltrapilho, e percebi que ele acabara de sentar-se num dos bancos da praça. E lentamente desembrulhava alguma coisa que tirara do seu bolso. Fui me aproximando sem que ele notasse a minha aproximação, quando já estava bem perto eu disse:
Bom dia! Ele lentamente se voltou para me olhar e muito desconfiado ameaçou a se levantar do banco em que estava. Porém eu me aproximei mais um pouco e disse: Sossegue irmão, só estou querendo conversar, sou da paz, fique tranquilo, não se vá…
Novamente ele tentou se levantar e aí eu coloquei suavemente minha mão direita em seu ombro e disse:
– Por favor, fique. Então aquela primeira impressão ruim que eu havia causado sumira de seu semblante e eu então me sentei ao seu lado.
Ele tinha uma fisionomia muito sofrida e dava para perceber que era de âmbito moral já que eu estava bem acostumado com as pessoas nos contatos que fizera ao longo de minha vida e então eu já tinha certa prática, (modéstia à parte), no contato direto com os outros.
Tornei a perguntar a ele como era o seu nome. Ele porem nada respondeu. Passou-se daí em diante um lapso de tempo que para ele era o que mais queria, isto é, sossego total, nada de perturbações;
Mas eu queria, ou melhor, precisava conversar com alguém, e perguntei? Esse dever o seu almoço, olhando para aquele pão seco que ele acabara de desembrulhar. Aí ele respondeu afirmativamente com a cabeça.
Arre até que enfim ele deu sinal de vida, pensei. Percebi que ele havia me dado uma entrada para conversar e eu tinha que aproveitar aquele momento e antes que eu tomasse qualquer iniciativa, ele medisse:
Eu me chamo João…
Oi João, o meu nome é Emmanuel, disse eu. Passaram-se alguns minutos e parece que nossa conversa ia ficar no: Oi João e Oi Emmanuel.
Mas tomei novamente a iniciativa e falar:
Olha, João, eu não sou daqui, estou apenas de passagem.
Ele olhou-me por alguns momentos e depois disse:
Eu nasci aqui, fui criado aqui, meus pais sempre viveram aqui e constituíram família e eu e meus irmãos fomos educados nesta cidade que sempre nos acolheu tão bem!…
Percebi que ele apesar disso era bastante infeliz. Mas eu tinha que ser bastante sutil, para não magoá-lo! Sobre pena de perder aquele diálogo que começava a me fascinar e disse:
É um lugar bem pacato, não é mesmo?
É sim, disse ele.
Para animá-lo um pouco eu disse:
Eu não tenho residência fixa, ando de um lugar para o outro e assim vou vivendo. E ele respondeu:
Não parece, você é bem apessoado, agora olhe para mim maltrapilho e completamente desiludido da vida…
E eu para reanimá-lo:
Acha que por causa de minhas roupas eu sou feliz? Não sou não! …Vivo em busca de paz em mim mesmo ou nos outros, não vivo sossegado, gosto de fazer o bem, mas isso às vezes me custa muito porque sempre encontro pela frente, muito incompreensão por parte das pessoas. E ele respondeu:
Mesmo assim, ainda acho você muito mais feliz do que eu, não vê?
Olhe-me! Como estou então não sou mais infeliz do que todos? Não percebe? E ele baixou a cabeça se sentindo o pior de todos os homens.
Daí em diante eu percebera que já era a hora de eu entrar de sola no cidadão – o João – lógico, tão só para ajudá-lo. E perguntei:
Você está infeliz… Não sei… Mas me parece que alguém ou alguma coisa o deixou assim. Certo?
E ele acenou com a cabeça afirmativamente. Vacilou por uns instantes, olhou para os lados suspirou, como que alguma coisa não o deixasse falar. Percebi que ele lutava consigo mesmo para arranjar coragem para falar e depois tomou coragem e disse:
Eu era uma pessoa feliz… Sabe… Eu tinha uma família linda, uma esposa e dois filhos maravilhosos…
Daí em diante eu percebi a dificuldade dele em continuar a falar sobre sua família. Parece que algo terrível tinha acontecido com ele.
Eu morava perto desta praça e continuou ali na Rua Santo Estevão… Tínhamos a nossa casa e vivíamos felizes com uma renda familiar estável.
Eu e minha esposa trabalhávamos na usina de álcool que fica aqui perto, e eu trabalhava na usina no corte das canas como supervisor de turma, e, ela trabalhava no escritório no setor da contabilidade.
Nesse momento João parou por instantes de conversar. Seus gestos ficaram mais agitados, ele olhou para cima e seus olhos se encheram de água. Passaram-se alguns instantes, que eu diria uma eternidade, não fosse o enorme esforço que ele estava fazendo para se recompor em continuar a contar a sua estória. Fiquei esperando… Mas, mesmo que ele não quisesse continuar conversando sobre este assunto, eu saberia compreendê-lo, mesmo porque eu não queria vê-lo sofrer mais do que já havia sofrido. Mas ele resolveu continuar:
Sabe. A gente estuda bastante, luta para alcançar um padrão, pelo menos decente na vida, procura constituir uma família e olha só o que acontece… E já quase chorando, a infelicidade não pede licença e nem nada e em entrando em casa como que uma erva daninha… E já chorando… Com a voz bem embargada e enxugando as lágrimas com as costas das mãos, disse:
Eu e minha esposa sempre voltávamos juntos para casa, pois o horário nosso coincidia e não víamos a hora de chegar a casa para nos encontrarmos com nossos filhos. Essa era a nossa rotina e éramos felizes. Eu tenho certeza, e mostrando a foto dos filhos para mim, esse era o Maurinho e essa a Janaina. Tudo ia muito bem até que as coisas começaram a mudar. Eu estava percebendo que minha esposa já não voltava comigo, e dizia que tinha que ficar até mais tarde para terminar determinada tarefa de sua seção.
A princípio eu acreditei nela e ia sozinho para casa. Foram passando-se os dias e cada vez mais ela chegava mais tarde. Eu tentava me aproximar dela e sempre vinha com evasivas e dizendo que estava muito cansada por causa do trabalho e só pensava em dormir… Por conta disso eu estava ficando cada vez mais frustrado com as atitudes dela e ate as crianças notaram que ela já não era tão carinhosa e já não dava mais aquela costumeira atenção que elas esperavam dela. Meus filhos eram encantadores, sempre alegres, pois eu não via a hora de chegar a casa e abraçá-los e beijá-los e conversar com eles. E sempre perguntavam cadê mamãe? Porque ela não veio com o senhor? E eu sempre respondia que ela estava muito atarefada com seus afazeres lá
Na usina. E dizia – Calma tudo isso vai passar, creio que é só por uns tempos depois tudo vai ser como era antes.
João, novamente parou de falar, procurou apenas em fixar os olhos numa árvore que estava à sua frente. Na realidade ele estava tentando recompor-se, pois dava para perceber que o que ele tinha para contar em seguida era chumbo grosso e que logicamente iria mexer no mais intimo do seu ser, portanto ele estava mesmo era se auto, anestesiando para continuar a falar.
Então esperei pacientemente que aquele torpor passasse mesmo que lentamente, pois eu tinha esperança que ele continuasse com sua estória.
Eu me sentia como um analista e que ele estivesse deitado no divã.
Mas porque ajudá-lo?… Na realidade eu queria saber os porquês dessa sua decadência tão vertiginosa a ponto de se tornar um mendigo.
De repente ele voltou os olhos para mim e falou em voz bem firme:
Porque estou falando tudo isso para uma pessoa que mal conheço?
Aí ele ia se levantando, quando eu o interpelei:
Calma, amigo, eu sei que tudo isso está entalado em seu coração…
Você precisa contar para alguém, eu sei, se não você vai acabar explodindo…
Então explode em mim!
E soltei-lhe um pequeno sorriso, no intuito dele relaxar um pouco…
Aí ele voltou a se sentar, pois já estava de pé.
Esperei um pouco, pois precisava também tomar fôlego e disse:
Sossegue seu espírito rapaz, vamos lá, que interesse eu teria em prejudicar alguém que já está no fundo do poço?
Seguiu-se um tempo de silêncio total, dava para escutar uma mosca voando… E eu pensava: De minha parte eu esperava que ele voltasse a conversar e ele, por sua vez, talvez estivesse pensando: É, preciso criar coragem, mas preciso desabafar com alguém… É humilhante! Eu sei, mas preciso tentar…
Aí eu disse a ele:
Se você não quiser não é preciso continuar, eu sei que está sendo muito difícil para você. Aí ele disse:
Quem vai se interessar por mim? Ou o que se passou comigo?
E eu disse:
Você pode até não acreditar, mas sempre vai existir alguém que se interessa em ajudar aos outros. E continuei: – Assim como existe gente ruim existe gente boa também. Depende agora de você acreditar, bem ou mau eu estou aqui, por incrível que pareça eu estou disposto a ouvi-lo e ajudá-lo. Eu já lhe disse que não tenho nenhum interesse em tirar proveito de tudo àquilo que me disse ou pretende ainda me dizer, porque eu sei, que ate agora ninguém veio perguntar a você como está passando, precisa de ajuda?…Não é à toa que você está tão desmotivado assim, mesmo porque até as pessoas mais chegadas a você se afastaram, talvez ate seus parentes mais próximos. Aí ele se animou novamente e voltou a contar a sua estória:
Como um homem de bem pode ficar frio quando vê a sua esposa a cada dia que passava se afastar de seu lar se desinteressando pelo marido e principalmente pelas crianças. Já não havia clima entre nós, tudo era desfavorável. E para completar alguns de meus colegas já haviam me avisado que ela estava saindo com seu chefe para jantar e depois disso, eles demoravam em voltar… Eu fiquei enciumado de tal maneira que quando ela chegou a casa, isso por volta das duas horas da manhã, primeiro passou a agredi-la com palavras e ela respondeu-me que era um frouxo e me provocava em altos brados para que as crianças ouvissem e eu acabei por perder a razão… Estava cego, possesso e agredi-a violentamente na cabeça e ela veio a desmaiar, aí eu sai correndo pela porta e as crianças gritando e peguei-a no colo e a coloquei no carro e a levei para o hospital.
Sem saber da gravidade relatei tudo o que havia ocorrido no hospital para a recepcionista e sem que eu a percebesse! Telefonou para policia. Eu apenas a vi na maca entrando pelo corredor do hospital. Ela estava viva, disso eu tenho certeza, ela estava apenas desmaiada. Sentei-me com as crianças na sala de espera.
As crianças chorando perguntavam pela mãe e eu sem saber o que dizer e o que fazer. Já naquele momento eu estava arrependido do que fizera, meu pensamento era: A minha esposa deveria estar bem, ou pelo menos pensar que não era nada grave e que tudo iria passar e eu acabaria pedindo perdão para ela nem que fosse de joelhos. Eu faria aquela viajem que ela tanto sonhara que era uma excursão para o nordeste visitando todas as capitais, só que todas as vezes que comentava alguma coisa eu sempre saia com evasivas e protelava. Eu achava uma coisa inútil e que havia coisas mais importantes para fazer, ela não falava nada e então eu achava que ela estava concordando comigo, no entanto ela se calava e guardava aquela mágoa não deixando transparecer o seu desejo.
Passou-se um longo tempo eu já estava preocupado, pois ninguém me dava noticias nem medico nem enfermeiras me falavam nada, eu percebi que as crianças estavam dormindo e ia me levantando quando se aproximou de mim um policial e perguntou sobre o meu nome e eu respondi que sim e ele disse:
Queira me acompanhar.
E eu perguntei:
Para onde?
E ele respondeu:
Para a Delegacia, o senhor está preso!
Aí eu fique desesperado, tentei argumentar com o policial, querendo fazer entender que tudo o que havia acontecido era apenas uma briga de casal.
E ele se limitava apenas em balançar a cabeça negativamente, e aí eu perguntei: Mas eu estou com os meus dois filhos, quem vai cuidar deles?
Ele respondeu:
Não se preocupe com eles, nos vamos cuidar disso. O senhor já demonstrou que não tem capacidade para cuidar deles…
Aquilo me feriu profundamente, como se uma espada bem aguda me transpassasse o peito. A partir daí eu fique completamente desnorteado, já não pensava mais na minha esposa que estava…
Não sei como eu já julgava morta! Eu só queria mesmo era proteger minhas crianças, tentei ir até elas, mesmo à força, mas o policial era bastante forte e me segurou com violência, forcei! Forcei… Mas nada consegui… E fui olhando fixamente para elas enquanto ia me afastando aí num desespero total comecei a gritar pelos meus filhos naquele corredor comprido…
Aí… Bem, aí… João desabou de vez, chorava copiosamente, não conseguia mais falar. Eu o abracei firmemente tentando consolá-lo, mas qual o que… Era muito desespero, gente… Eu já estava no meu limite, a minha garganta doía violentamente, mas eu tinha que ser forte, caramba, e só dizia:
Calma! João? calma João…
Eu olhava para cima tentando disfarçar, mas percebera que já não conseguia enxergar nada… As lágrimas acabaram de chegar… Fazer o que. Sou humano né? Até para o mais forte dos mortais seria difícil conter as lágrimas naquele momento…
Passaram se alguns minutos, eu fui me acalmando aos poucos e percebera que o João também começara a se acalmar. Aí eu o soltei e olhando para ele que estava ainda com a cabeça baixa perguntei:
Tudo bem?
Ele meneou a cabeça respondendo afirmativamente. Os minutos seguintes foram de total silêncio, dava para escutar uma mosca voando no ar. Eu sei que nossos pensamentos vagueavam-se, pois era necessário que ambos ficássemos assim por um período suficientemente longo ate que nossas ideias se reencontrassem novamente.
Veja você o que é o destino, de repente ali estava eu consolando um mendigo que acabara de me contar sua estória e eu deixei me envolver de tal maneira que acabei por me emocionar com ele. Isso é o que dá, quando você se envolve demais e se fazendo passar por um bom samaritano. Às vezes não me conheço, mas o que me causa espécie é que quanto mais eu ajudo alguém mais aparecem pessoas precisando de ajuda. Estou tentando ajudar o Tarso procurando me aproximar dele sutilmente e olha só o que me acontece… Agora vou tentar ajudar este cidadão pelo que vejo está mais precisando de ajuda do que a família do Tarso. Aí fiquei olhando para o João por alguns momentos e depois. Dei algumas tapinhas nas suas costas, para tentar animá-lo e disse a ele:
Como é João, vamos continuar nossa conversa?
Nossa conversa? Respondeu ele, que parecia mais animado, pois acabara de se desabafar com alguém, e esse alguém acho que sou eu. Aí ele titubeou um pouco ficou calado por alguns minutos e depois continuou: Até agora só quem falou fui eu!
E eu respondi:
Pois continue falando, você ainda não terminou de contar a sua estória, e eu estou disposto a ouvi-lo até o fim, certo?
Ele esboçou um sorriso de que era justamente isso que ele gostaria de ouvir de mim e continuou:
Eu fiquei preso durante uma semana, pois foi constatado que eu era réu primário e assim eles me soltaram, logicamente eu teria que responder processo por causa de minha atitude violenta. Nessa altura dos acontecimentos eu já não ligava para mais nada. Pra mim tanto fazia, pois minha família que era a coisa mais importante para mim, eu já nem sabia onde estavam meus filhos. Fui até a minha casa e não encontrei ninguém como era de se esperar. A casa estava trancada e assim eu nem pude entrar na minha própria casa.
Meu vizinho ficou me olhando por uns instantes e depois falou:
É, cara sua vida já era!
Por quê? Perguntei.
Sua esposa veio com um caminhão e levou tudo o que tinha aí dentro da casa e acho que até a sua roupa foi também junto, pois a casa ficou totalmente vazia, disse ele. Como é que o senhor sabe que a casa ficou totalmente vazia? Perguntei.
Desculpe-me, mas é que eu fiquei curioso, e como eu conheço bem o senhor e sua família! Eu jamais poderia imaginar que de repente uma mudança tão repentina pudesse acontecer, disse ele e continuei então eu me aproximei de sua casa e inclusive tentei conversar com sua esposa para saber o que estava acontecendo, mas ela simplesmente me ignorou como se fosse uma pessoa estranha que estivesse ali. Mas mesmo assim eu fiquei por ali até que o caminhão fosse embora. Percebi então que sua esposa e os seus dois filhos foram até a um carro que estava estacionado do outro lado da rua e quem estava no volante do carro era o seu gerente…
Quando meu vizinho disse isso percebera que tinha dito o que não devia, mas enfim foi bom pra mim que pelo menos agora eu já sabia que o nosso casamento chegara ao fim. O que me preocupava então, agora eram as crianças. Aí num esforço extremo, para tentar pelo menos saber a onde eles tinham ido, perguntei ao vizinho:
O senhor sabe para onde eles foram? Não faço a menor ideia, respondeu.•.
Eu fiquei completamente desolado, perdi o controle e comecei a chorar e dar chutes em tudo o que eu via pela frente, a jogar tudo e até o meu vizinho ficou assustado e entrou em sua casa. Foi então que eu acabara de perceber que estava completamente sozinho e que ninguém poderia me ajudar. Daí em diante, eu comecei a vagar pelas ruas da cidade e sem rumo fui parar na fábrica a onde eu trabalhava… Mas eu não tinha nem coragem de me aproximar de lá, pois eu me sentia totalmente culpado pelo o que eu fizera. Como encarar os amigos de fábrica, como começar a conversar com eles sem saber se eles me atenderiam? O meu complexo de culpa era tão grande que eu acabei por me afastar da fábrica de vez. Acovardei-me de fato e eu não queria conversar com ninguém. O resto você já sabe, vivo perambulando pelas ruas a cata de migalhas para comer. Não tenho ânimo para mais nada.
Então eu perguntei:
João, eu sei que você está muito triste, percebo que a sua situação é bastante delicada, seus sentimentos estão confusos e você está completamente desiludido, certo?
Certo, respondeu ele. Só, João, que a vida continua, eu sei que você deve estar morrendo de saudade das crianças, e aí João, você não pode simplesmente ficar aí parado sem se movimentar, ou pelo menos tentar alguma coisa para ver se você encontra seus filhos. Você não acha?
Ele apenas estava de cabeça baixa e nada respondeu
Então eu continuei:
Como é que pode em sã consciência, alguém ter dois filhos lindos e não vai pelo menos tentar procurá-los, João? Será que você pelo menos não possa estar imaginando que seus filhos também estão sentindo sua falta? Será que esse laço de família que une os casais, depois de uma separação, principalmente quando já se viveram juntos muitos anos?
Mas ele nada respondeu… Então para provocá-lo no intuito de tentar acordá-lo eu disse erguendo um pouco a voz:
João você me desculpe, mas eu acho que você é um covarde!
Quando eu disse isso ele levantou a cabeça, e me olhou fixamente por uns momentos e depois me disse:
Olha Emmanuel, você tentou me ajudar eu até posso entender isso, mas não me venha dar lição de moral, pois eu já estou no fundo do poço e não preciso ouvir sermões de quem quer que seja, e faça-me um favor! Dê o fora daqui!
Aí ele abaixou a cabeça novamente e ficou imóvel, dava para perceber que ele mais queria era fugir de qualquer coisa do mundo em si. Eu sabia que tinha forçado um pouco para ver se ele reagia, mas ele se fechara de novo e isso não era bom. Eu tinha que tentar qualquer coisa para mudar aquela situação.
Na realidade João talvez não soubesse a onde as crianças estivessem, ou talvez, quem sabe, ele até poderia saber, mas tinha medo de se apresentar aos filhos na situação em que se encontrava e como ele mesmo dissera que estava no fundo do poço e admitia isso. Assim o seu fracasso era total. Eu tinha que tirá-lo daquele marasmo a qualquer custo, não sei como, mas tinha que ter um jeito… Aproveitei que ele estava contido em seus pensamentos tão tristes e aproveitei a oportunidade de ficar meditando um pouco o que deveria fazer com aquele cidadão.
Nossos pensamentos às vezes se parecem como pombos em revoadas, ora como as andorinhas de verão. Ora como os pardais que fica o ano inteiro em voando nas casas, fazendo seus ninhos e seguindo em frente. Como o beija-flor pousando em cada flor retirando o seu mel, o grande oceano que com suas ondas bravias de repente vem suavemente molhar os seus pés na praia, as longínquas estrelas que vem contribuir com seu brilho incessante amenizando a noite junto com a suavidade da lua… Ah! Como é lindo este mundo, como é grande a força da palavra do meu criador!
Como são intermináveis os seus percalços a procura do teu amor para tentar descobrir em você mesmo que você é maior do que tudo isso e muito mais, pois você, você meu irmão, é a maior obra que o arquiteto do universo já fez… Bem, aliás, eu acho que já sei o que eu vou dizer para o João. Mas espera aí, será que ele merece?
Opa! Espera aí você Emmanuel, de que adiantou as palavras que acabou de dizer sobre o amor? A onde está o seu coração? Hein? Você não quer ajudá-lo? Ou está aí apenas passando o tempo para esperar e descobrir mais sobre o Tarso? Por acaso não é quando a pessoa que está próxima de você e precisa de ajuda e exige um pouco mais de você, como é que fica, vai recuar? É muito fácil dar conselhos, falar bonito, mas e o gesto concreto? Mexa-se, tire esse homem desse torpor e o leve para cima, faça com que ele volte a acreditar novamente nas pessoas e principalmente em Deus!
Depois desse terrível conflito interior de mim para comigo resolvi entrar de cabeça e ajudar o João como realmente deveria ser ajudado. Sei que o caso dele não era fácil, mas eu tinha que seguir em frente.
O João estava de um jeito, tão infeliz e pra baixo que se eu titubeasse agora, talvez ele nunca mais se erguesse na vida e por isso mesmo eu me sentiria muito culpado mesmo. Então o jeito é ser bem forte mesmo e mostrar firmeza principalmente nas minhas palavras que iria dizer daqui pra frente. E disse a ele em voz bem alta:
João, João, João.
Repeti três vezes e… Ele nada. Tornei a repetir e…, Nada. Aí eu me enfezei e peguei-o pelos colarinhos e o chacoalhei e disse:
Você, João é um grande covarde, não presta mais pra nada, sabe?…E olhando fixamente para ele, eu deveria mesmo e deixar você na pior, e ir embora, mas não sei o que acontece comigo… Virei à cabeça de lado, como que querendo lutar contra mim mesmo e continuei, olha. Eu já vi muitos caras se entregar na vida, mas igual a você… Esta é a primeira vez, vamos lá cara, reaja, nem tudo está perdido, ou será que está? E olhei novamente fixamente para ele, pra ver se ele reagia, mas ele fazia só era chorar, e isso me causava muita pena. E eu ainda estava lhe segurando pela camisa quando ele balbuciou:
Me solta. Me solta! Disse mais alto, Me solta!
E aí eu o soltei e disse:
É com você não tem jeito mesmo. E o soltei. E continuei – Se você pensa que eu desisti você está muito enganado, não sou de perder uma parada fácil e principalmente de um perdedor como você.
Aí ele começou a reagir e disse:
O que você quer de mim? Eu já não lhe contei tudo? Já não abri o meu coração pra você? Estou esgotado e não quero ninguém perto de mim por isso de o fora daqui, antes que eu perca a paciência com você e resolva lhe dar uns murros, está bem?
Calma, disse eu. Calma, rapaz, ninguém aqui quer brigar… Muito pelo contrario eu só quero apenas lhe ajudar. Ou você acha que eu estou perdendo este tempo todo à toa. Você não acha que eu posso ter alguma solução para o seu caso? Isto é, você acha o seu caso insolúvel? Na realidade, depende mais de você do que de mim, basta que você queira ser ajudado, pois do contrario, só Deus poderá ajudá-lo e assim mesmo se ele estiver disposto.
Neste momento eu dei uma paradinha na minha conversa, talvez mais pra ver a reação de João do que outra coisa. E esperei um pouco, agora era a hora de usar um pouco de gestos psicológicos.
Assim fingi que estava super, chateado com ele, ameacei mesmo me levantar como quem fosse embora, e fiquei firme na minha resolução até que ele resolvesse falar novamente. Eu sabia, no entanto que estava correndo um grande risco, mas eu tinha que tentar, pois a gente nunca sabe qual vai ser a reação do cidadão nestas circunstâncias, ou ele se abre de vez, ou se fecha e manda a gente para inferno… Então fiquei na expectativa.
Aí ele se levantou bruscamente, como que fosse me dar uns murros e. Abraçou-me demoradamente…Engoli seco, veio um nó na minha garganta. E depois me soltando devagar me disse:
O que você quer que eu faça Emmanuel?
Depois daqueles momentos de emoção, consegui me refazer e disse:
Senta aí, vamos conversar com calma e vermos o que podemos fazer. Você sabe a onde seus filhos se encontram? Perguntei. E ele me respondeu que talvez soubesse, mas não tinha certeza, pois não sabia se o safado do amante os tinha levado pra casa ou se os filhos se encontravam na casa da mãe dela. Então eu disse:
É por aí que vamos começar. Só que tem o seguinte, eu tenho algumas economias aqui comigo e nós vamos comprar uma roupa nova pra você e não adianta falar que não, pois, temos que ser apresentáveis e também faça essa barba, pois você está parecendo um macaco desse jeito. A princípio João não queria aceitar, mas diante das possibilidades de ver os seus filhos novamente o fez reviver, e assim partimos pra luta.
Então o levei para onde eu estava hospedado o fiz tomar um demorado banho, depois fez a barba e como ele tinha o mesmo número de roupas que eu, não foi difícil deixar-lhe feito gente de novo, um novo homem e principalmente com a ideia fixa de reaver seus filhos que ele tanto amava.
Eu sabia que as coisas não iam ser fáceis, principalmente em se tratando de família! Sei que isso é um negócio muito serio, porque na realidade eu não fazia a menor ideia como nós iríamos encontrar os ânimos por lá, mesmo porque o João poderia ter me ocultado algum detalhe importante a ponto de sua ex. esposa tomar até então as atitudes que tomou…! Será que ele era tão inocente assim? Não haveria alguma coisa entre os dois que eu não estivesse sabendo?… Bem e por sinal, eu nem tinha condição de “apertar” o João fazendo-lhe novas perguntas, principalmente as do tipo que eu queria saber, e afinal não sou detetive nem nada. Já me foi difícil convencê-lo de ele aceitar a minha proposta de procurar seus filhos… Não, não vou molestá-lo agora.
Esperei calmamente, fiquei meio estático, peguei uma revista velha e fingi estar lendo, procurando por todos os meios não demonstrar que eu estava ansioso, mas de vez em quando eu dava uma levantadinha e esticava o pescoço para ver se ele já estava pronto e de repente a figura se apresenta na sala todo impoluto. Que transformação! Era outra pessoa que estava ali na minha frente. Cheguei até a pensar que aquele homem que estava ali na minha frente não era a mesma, que eu a pouco o tinha levado para a minha casa. Então ele percebendo que eu estava de boca aberta disse:
O que foi? Por acaso você está vendo um fantasma?
E eu respondi:
Não, estou vendo realmente um homem! E continuei – Vamos!
E ele: – Espere!
Esperar o que? Disse eu.
Você não acha que vamos entrar numa roubada? Perguntou.
Não, não acho, o que acho é que você está com medo.
Não é isso, o retrucou, e continuou tenho medo sim é de perder as crianças para sempre.
Sossegue, acalmei-o, deixa que quando nós chegarmos lá, eu irei à frente e tentarei descobrir alguma coisa e se não der certa a minha tentativa tentaremos de novo com outros planos e se eu for bem recebido pela sua ex-sogra aí eu lhe darei o sinal que tudo está bem. Então você poderá se aproximar esta bem assim?
Está, respondeu.
E assim saímos de casa em direção à casa de sua ex-sogra, ou ainda sogra, pois se não houve separação oficial, tudo permanecia como antes. A princípio ele estava muito hesitante, às vezes parava outras vezes ele ameaçava voltar pra trás e tudo isso me deixava com os nervos na flor da pele. Então coloquei meu braço sobre seus ombros e quase que o empurrando seguimos em frente.
A casa da sogra dele não era tão longe, apenas ficava dali alguns quarteirões e conforme combinamos a um quarteirão ele ficou ali parado. Eu já ia saindo, voltei e lhe disse não saia daqui por nada, está bem?
Ele balançou a cabeça com o sinal de sim. Mesmo assim eu tornei a dizer:
Você não vai me decepcionar agora não é mesmo? Segurando fortemente em seu ombro. E ele me olhou fixamente e novamente meneou a cabeça afirmativamente e disse:
Pode ir! Eu vou ficar aqui sim. Quem está mais interessado em ver os filhos sou eu, e se eu cheguei até aqui agora quero ir até ao fim. E eu já saindo:
É assim que se fala.
Na realidade eu estava com medo também. Não sei explicar direito o que se passava comigo, pois o danado do João havia me passado essa insegurança. Eu tinha que ir e fui.
Mas que decepção! Quando cheguei até a casa, toquei a campainha e veio uma criada me atender. Então perguntei pela Dona Yolanda que era o nome da ex-sogra do João que me respondeu que ela havia se mudado daquela casa e que ela era a criada de outra família.
A princípio eu não estava acreditando muito daquela conversa daquela moça e perguntei como era o nome da patroa dela e ela sem pestanejar me disse que o nome dela era Ana. Mas mesmo assim achei que ela poderia estar mentindo e foi então que ela pediu-me para esperar um pouco e voltou junto com uma senhora e que se apresentou como sendo Ana.
De longe meio escondido João me acenou que realmente aquela não era a dona Yolanda, sua ex-sogra. Eu já ia indo embora quando voltei e perguntei se elas conheciam dona Yolanda antiga moradora daquela casa. Elas responderam que sim, mas só que não sabiam pra onde ela tinha mudado. Era viúva e sozinha provavelmente vendeu a casa e acompanhou a filha nessa aventura maluca É, voltamos à estaca zero, e o João ainda mais desesperado, tentou ir embora sem mim começou a andar em círculos… Foi um caos na cabeça dele e eu tinha que segurar aquela barra, de jeito nenhum eu poderia recuar agora.
Seu olho esbugalhado já quase querendo chorar só pensava em tirar aquela roupa e já desabotoando o paletó e tirando-o e ameaçou jogá-lo pra bem longe e foi quando eu intervim e gritei-Não faça isso! Aí ele então recuou… Mas não se deu por satisfeito, saiu correndo como louco e começou a gritar em um desespero total. Isso começou chamar a atenção de muitas pessoas que por ali passavam e por uma dessas coincidências incríveis ouviu-se ao longo do quarteirão uma voz forte e estridente como que um trovão para mudar de vez todo aquele tumulto…