CAPITULO 6 – JOÃO, UM CASO À PARTE

CAPITULO 6

JOÃO, UM CASO À PARTE.

 

Avistei ao longe lá na pracinha da cidade um cidadão que de longe me parecia um maltrapilho, e percebi que ele acabara de sentar-se num dos bancos da praça. E lentamente desembrulhava alguma coisa que tirara do seu bolso. Fui me aproximando sem que ele notasse a minha aproximação, quando já estava bem perto eu disse:

Bom dia! Ele lentamente se voltou para me olhar e muito desconfiado ameaçou a se levantar do banco em que estava. Porém eu me aproximei mais um pouco e disse: Sossegue irmão, só estou querendo conversar, sou da paz, fique tranquilo, não se vá…

Novamente ele tentou se levantar e aí eu coloquei suavemente minha mão direita em seu ombro e disse:

– Por favor, fique. Então aquela primeira impressão ruim que eu havia causado sumira de seu semblante e eu então me sentei ao seu lado.

Ele tinha uma fisionomia muito sofrida e dava para perceber que era de âmbito moral já que eu estava bem acostumado com as pessoas nos contatos que fizera ao longo de minha vida e então eu já tinha certa prática, (modéstia à parte), no contato direto com os outros.

Tornei a perguntar a ele como era o seu nome. Ele porem nada respondeu. Passou-se daí em diante um lapso de tempo que para ele era o que mais queria, isto é, sossego total, nada de perturbações;

Mas eu queria, ou melhor, precisava conversar com alguém, e perguntei? Esse dever o seu almoço, olhando para aquele pão seco que ele acabara de desembrulhar. Aí ele respondeu afirmativamente com a cabeça.

Arre até que enfim ele deu sinal de vida, pensei. Percebi que ele havia me dado uma entrada para conversar e eu tinha que aproveitar aquele momento e antes que eu tomasse qualquer iniciativa, ele medisse:

Eu me chamo João…
Oi João, o meu nome é Emmanuel, disse eu. Passaram-se alguns minutos e parece que nossa conversa ia ficar no: Oi João e Oi Emmanuel.

Mas tomei novamente a iniciativa e falar:
Olha, João, eu não sou daqui, estou apenas de passagem.
Ele olhou-me por alguns momentos e depois disse:
Eu nasci aqui, fui criado aqui, meus pais sempre viveram aqui e constituíram família e eu e meus irmãos fomos educados nesta cidade que sempre nos acolheu tão bem!…

Percebi que ele apesar disso era bastante infeliz. Mas eu tinha que ser bastante sutil, para não magoá-lo! Sobre pena de perder aquele diálogo que começava a me fascinar e disse:

É um lugar bem pacato, não é mesmo?
É sim, disse ele.
Para animá-lo um pouco eu disse:

Eu não tenho residência fixa, ando de um lugar para o outro e assim vou vivendo. E ele respondeu:

Não parece, você é bem apessoado, agora olhe para mim maltrapilho e completamente desiludido da vida…

E eu para reanimá-lo:
Acha que por causa de minhas roupas eu sou feliz? Não sou não! …Vivo em busca de paz em mim mesmo ou nos outros, não vivo sossegado, gosto de fazer o bem, mas isso às vezes me custa muito porque sempre encontro pela frente, muito incompreensão por parte das pessoas. E ele respondeu:

Mesmo assim, ainda acho você muito mais feliz do que eu, não vê?
Olhe-me! Como estou então não sou mais infeliz do que todos? Não percebe? E ele baixou a cabeça se sentindo o pior de todos os homens.

Daí em diante eu percebera que já era a hora de eu entrar de sola no cidadão – o João – lógico, tão só para ajudá-lo. E perguntei:

Você está infeliz… Não sei… Mas me parece que alguém ou alguma coisa o deixou assim. Certo?

E ele acenou com a cabeça afirmativamente. Vacilou por uns instantes, olhou para os lados suspirou, como que alguma coisa não o deixasse falar. Percebi que ele lutava consigo mesmo para arranjar coragem para falar e depois tomou coragem e disse:

Eu era uma pessoa feliz… Sabe… Eu tinha uma família linda, uma esposa e dois filhos maravilhosos…
Daí em diante eu percebi a dificuldade dele em continuar a falar sobre sua família. Parece que algo terrível tinha acontecido com ele.

Eu morava perto desta praça e continuou ali na Rua Santo Estevão… Tínhamos a nossa casa e vivíamos felizes com uma renda familiar estável.

Eu e minha esposa trabalhávamos na usina de álcool que fica aqui perto, e eu trabalhava na usina no corte das canas como supervisor de turma, e, ela trabalhava no escritório no setor da contabilidade.

Nesse momento João parou por instantes de conversar. Seus gestos ficaram mais agitados, ele olhou para cima e seus olhos se encheram de água. Passaram-se alguns instantes, que eu diria uma eternidade, não fosse o enorme esforço que ele estava fazendo para se recompor em continuar a contar a sua estória. Fiquei esperando… Mas, mesmo que ele não quisesse continuar conversando sobre este assunto, eu saberia compreendê-lo, mesmo porque eu não queria vê-lo sofrer mais do que já havia sofrido. Mas ele resolveu continuar:

Sabe. A gente estuda bastante, luta para alcançar um padrão, pelo menos decente na vida, procura constituir uma família e olha só o que acontece… E já quase chorando, a infelicidade não pede licença e nem nada e em entrando em casa como que uma erva daninha… E já chorando… Com a voz bem embargada e enxugando as lágrimas com as costas das mãos, disse:

Eu e minha esposa sempre voltávamos juntos para casa, pois o horário nosso coincidia e não víamos a hora de chegar a casa para nos encontrarmos com nossos filhos. Essa era a nossa rotina e éramos felizes. Eu tenho certeza, e mostrando a foto dos filhos para mim, esse era o Maurinho e essa a Janaina. Tudo ia muito bem até que as coisas começaram a mudar. Eu estava percebendo que minha esposa já não voltava comigo, e dizia que tinha que ficar até mais tarde para terminar determinada tarefa de sua seção.

A princípio eu acreditei nela e ia sozinho para casa. Foram passando-se os dias e cada vez mais ela chegava mais tarde. Eu tentava me aproximar dela e sempre vinha com evasivas e dizendo que estava muito cansada por causa do trabalho e só pensava em dormir… Por conta disso eu estava ficando cada vez mais frustrado com as atitudes dela e ate as crianças notaram que ela já não era tão carinhosa e já não dava mais aquela costumeira atenção que elas esperavam dela. Meus filhos eram encantadores, sempre alegres, pois eu não via a hora de chegar a casa e abraçá-los e beijá-los e conversar com eles. E sempre perguntavam cadê mamãe? Porque ela não veio com o senhor? E eu sempre respondia que ela estava muito atarefada com seus afazeres lá
Na usina. E dizia – Calma tudo isso vai passar, creio que é só por uns tempos depois tudo vai ser como era antes.

João, novamente parou de falar, procurou apenas em fixar os olhos numa árvore que estava à sua frente. Na realidade ele estava tentando recompor-se, pois dava para perceber que o que ele tinha para contar em seguida era chumbo grosso e que logicamente iria mexer no mais intimo do seu ser, portanto ele estava mesmo era se auto, anestesiando para continuar a falar.
Então esperei pacientemente que aquele torpor passasse mesmo que lentamente, pois eu tinha esperança que ele continuasse com sua estória.

Eu me sentia como um analista e que ele estivesse deitado no divã.
Mas porque ajudá-lo?… Na realidade eu queria saber os porquês dessa sua decadência tão vertiginosa a ponto de se tornar um mendigo.

De repente ele voltou os olhos para mim e falou em voz bem firme:
Porque estou falando tudo isso para uma pessoa que mal conheço?
Aí ele ia se levantando, quando eu o interpelei:

Calma, amigo, eu sei que tudo isso está entalado em seu coração…
Você precisa contar para alguém, eu sei, se não você vai acabar explodindo…
Então explode em mim!
E soltei-lhe um pequeno sorriso, no intuito dele relaxar um pouco…

Aí ele voltou a se sentar, pois já estava de pé.
Esperei um pouco, pois precisava também tomar fôlego e disse:

Sossegue seu espírito rapaz, vamos lá, que interesse eu teria em prejudicar alguém que já está no fundo do poço?
Seguiu-se um tempo de silêncio total, dava para escutar uma mosca voando… E eu pensava: De minha parte eu esperava que ele voltasse a conversar e ele, por sua vez, talvez estivesse pensando: É, preciso criar coragem, mas preciso desabafar com alguém… É humilhante! Eu sei, mas preciso tentar…
Aí eu disse a ele:

Se você não quiser não é preciso continuar, eu sei que está sendo muito difícil para você. Aí ele disse:

Quem vai se interessar por mim? Ou o que se passou comigo?
E eu disse:

Você pode até não acreditar, mas sempre vai existir alguém que se interessa em ajudar aos outros. E continuei: – Assim como existe gente ruim existe gente boa também. Depende agora de você acreditar, bem ou mau eu estou aqui, por incrível que pareça eu estou disposto a ouvi-lo e ajudá-lo. Eu já lhe disse que não tenho nenhum interesse em tirar proveito de tudo àquilo que me disse ou pretende ainda me dizer, porque eu sei, que ate agora ninguém veio perguntar a você como está passando, precisa de ajuda?…Não é à toa que você está tão desmotivado assim, mesmo porque até as pessoas mais chegadas a você se afastaram, talvez ate seus parentes mais próximos. Aí ele se animou novamente e voltou a contar a sua estória:

Como um homem de bem pode ficar frio quando vê a sua esposa a cada dia que passava se afastar de seu lar se desinteressando pelo marido e principalmente pelas crianças. Já não havia clima entre nós, tudo era desfavorável. E para completar alguns de meus colegas já haviam me avisado que ela estava saindo com seu chefe para jantar e depois disso, eles demoravam em voltar… Eu fiquei enciumado de tal maneira que quando ela chegou a casa, isso por volta das duas horas da manhã, primeiro passou a agredi-la com palavras e ela respondeu-me que era um frouxo e me provocava em altos brados para que as crianças ouvissem e eu acabei por perder a razão… Estava cego, possesso e agredi-a violentamente na cabeça e ela veio a desmaiar, aí eu sai correndo pela porta e as crianças gritando e peguei-a no colo e a coloquei no carro e a levei para o hospital.

Sem saber da gravidade relatei tudo o que havia ocorrido no hospital para a recepcionista e sem que eu a percebesse! Telefonou para policia. Eu apenas a vi na maca entrando pelo corredor do hospital. Ela estava viva, disso eu tenho certeza, ela estava apenas desmaiada. Sentei-me com as crianças na sala de espera.

As crianças chorando perguntavam pela mãe e eu sem saber o que dizer e o que fazer. Já naquele momento eu estava arrependido do que fizera, meu pensamento era: A minha esposa deveria estar bem, ou pelo menos pensar que não era nada grave e que tudo iria passar e eu acabaria pedindo perdão para ela nem que fosse de joelhos. Eu faria aquela viajem que ela tanto sonhara que era uma excursão para o nordeste visitando todas as capitais, só que todas as vezes que comentava alguma coisa eu sempre saia com evasivas e protelava. Eu achava uma coisa inútil e que havia coisas mais importantes para fazer, ela não falava nada e então eu achava que ela estava concordando comigo, no entanto ela se calava e guardava aquela mágoa não deixando transparecer o seu desejo.

Passou-se um longo tempo eu já estava preocupado, pois ninguém me dava noticias nem medico nem enfermeiras me falavam nada, eu percebi que as crianças estavam dormindo e ia me levantando quando se aproximou de mim um policial e perguntou sobre o meu nome e eu respondi que sim e ele disse:

Queira me acompanhar.
E eu perguntei:

Para onde?
E ele respondeu:
Para a Delegacia, o senhor está preso!

Aí eu fique desesperado, tentei argumentar com o policial, querendo fazer entender que tudo o que havia acontecido era apenas uma briga de casal.

E ele se limitava apenas em balançar a cabeça negativamente, e aí eu perguntei: Mas eu estou com os meus dois filhos, quem vai cuidar deles?

Ele respondeu:
Não se preocupe com eles, nos vamos cuidar disso. O senhor já demonstrou que não tem capacidade para cuidar deles…

Aquilo me feriu profundamente, como se uma espada bem aguda me transpassasse o peito. A partir daí eu fique completamente desnorteado, já não pensava mais na minha esposa que estava…

Não sei como eu já julgava morta! Eu só queria mesmo era proteger minhas crianças, tentei ir até elas, mesmo à força, mas o policial era bastante forte e me segurou com violência, forcei! Forcei… Mas nada consegui… E fui olhando fixamente para elas enquanto ia me afastando aí num desespero total comecei a gritar pelos meus filhos naquele corredor comprido…

Aí… Bem, aí… João desabou de vez, chorava copiosamente, não conseguia mais falar. Eu o abracei firmemente tentando consolá-lo, mas qual o que… Era muito desespero, gente… Eu já estava no meu limite, a minha garganta doía violentamente, mas eu tinha que ser forte, caramba, e só dizia:

Calma! João? calma João…
Eu olhava para cima tentando disfarçar, mas percebera que já não conseguia enxergar nada… As lágrimas acabaram de chegar… Fazer o que. Sou humano né? Até para o mais forte dos mortais seria difícil conter as lágrimas naquele momento…
Passaram se alguns minutos, eu fui me acalmando aos poucos e percebera que o João também começara a se acalmar. Aí eu o soltei e olhando para ele que estava ainda com a cabeça baixa perguntei:

Tudo bem?
Ele meneou a cabeça respondendo afirmativamente. Os minutos seguintes foram de total silêncio, dava para escutar uma mosca voando no ar. Eu sei que nossos pensamentos vagueavam-se, pois era necessário que ambos ficássemos assim por um período suficientemente longo ate que nossas ideias se reencontrassem novamente.

Veja você o que é o destino, de repente ali estava eu consolando um mendigo que acabara de me contar sua estória e eu deixei me envolver de tal maneira que acabei por me emocionar com ele. Isso é o que dá, quando você se envolve demais e se fazendo passar por um bom samaritano. Às vezes não me conheço, mas o que me causa espécie é que quanto mais eu ajudo alguém mais aparecem pessoas precisando de ajuda. Estou tentando ajudar o Tarso procurando me aproximar dele sutilmente e olha só o que me acontece… Agora vou tentar ajudar este cidadão pelo que vejo está mais precisando de ajuda do que a família do Tarso. Aí fiquei olhando para o João por alguns momentos e depois. Dei algumas tapinhas nas suas costas, para tentar animá-lo e disse a ele:

Como é João, vamos continuar nossa conversa?

Nossa conversa? Respondeu ele, que parecia mais animado, pois acabara de se desabafar com alguém, e esse alguém acho que sou eu. Aí ele titubeou um pouco ficou calado por alguns minutos e depois continuou: Até agora só quem falou fui eu!

E eu respondi:
Pois continue falando, você ainda não terminou de contar a sua estória, e eu estou disposto a ouvi-lo até o fim, certo?
Ele esboçou um sorriso de que era justamente isso que ele gostaria de ouvir de mim e continuou:

Eu fiquei preso durante uma semana, pois foi constatado que eu era réu primário e assim eles me soltaram, logicamente eu teria que responder processo por causa de minha atitude violenta. Nessa altura dos acontecimentos eu já não ligava para mais nada. Pra mim tanto fazia, pois minha família que era a coisa mais importante para mim, eu já nem sabia onde estavam meus filhos. Fui até a minha casa e não encontrei ninguém como era de se esperar. A casa estava trancada e assim eu nem pude entrar na minha própria casa.

Meu vizinho ficou me olhando por uns instantes e depois falou:
É, cara sua vida já era!
Por quê? Perguntei.
Sua esposa veio com um caminhão e levou tudo o que tinha aí dentro da casa e acho que até a sua roupa foi também junto, pois a casa ficou totalmente vazia, disse ele. Como é que o senhor sabe que a casa ficou totalmente vazia? Perguntei.

Desculpe-me, mas é que eu fiquei curioso, e como eu conheço bem o senhor e sua família! Eu jamais poderia imaginar que de repente uma mudança tão repentina pudesse acontecer, disse ele e continuei então eu me aproximei de sua casa e inclusive tentei conversar com sua esposa para saber o que estava acontecendo, mas ela simplesmente me ignorou como se fosse uma pessoa estranha que estivesse ali. Mas mesmo assim eu fiquei por ali até que o caminhão fosse embora. Percebi então que sua esposa e os seus dois filhos foram até a um carro que estava estacionado do outro lado da rua e quem estava no volante do carro era o seu gerente…

Quando meu vizinho disse isso percebera que tinha dito o que não devia, mas enfim foi bom pra mim que pelo menos agora eu já sabia que o nosso casamento chegara ao fim. O que me preocupava então, agora eram as crianças. Aí num esforço extremo, para tentar pelo menos saber a onde eles tinham ido, perguntei ao vizinho:

O senhor sabe para onde eles foram? Não faço a menor ideia, respondeu.•.

Eu fiquei completamente desolado, perdi o controle e comecei a chorar e dar chutes em tudo o que eu via pela frente, a jogar tudo e até o meu vizinho ficou assustado e entrou em sua casa. Foi então que eu acabara de perceber que estava completamente sozinho e que ninguém poderia me ajudar. Daí em diante, eu comecei a vagar pelas ruas da cidade e sem rumo fui parar na fábrica a onde eu trabalhava… Mas eu não tinha nem coragem de me aproximar de lá, pois eu me sentia totalmente culpado pelo o que eu fizera. Como encarar os amigos de fábrica, como começar a conversar com eles sem saber se eles me atenderiam? O meu complexo de culpa era tão grande que eu acabei por me afastar da fábrica de vez. Acovardei-me de fato e eu não queria conversar com ninguém. O resto você já sabe, vivo perambulando pelas ruas a cata de migalhas para comer. Não tenho ânimo para mais nada.

Então eu perguntei:
João, eu sei que você está muito triste, percebo que a sua situação é bastante delicada, seus sentimentos estão confusos e você está completamente desiludido, certo?

Certo, respondeu ele. Só, João, que a vida continua, eu sei que você deve estar morrendo de saudade das crianças, e aí João, você não pode simplesmente ficar aí parado sem se movimentar, ou pelo menos tentar alguma coisa para ver se você encontra seus filhos. Você não acha?

Ele apenas estava de cabeça baixa e nada respondeu
Então eu continuei:

Como é que pode em sã consciência, alguém ter dois filhos lindos e não vai pelo menos tentar procurá-los, João? Será que você pelo menos não possa estar imaginando que seus filhos também estão sentindo sua falta? Será que esse laço de família que une os casais, depois de uma separação, principalmente quando já se viveram juntos muitos anos?

Mas ele nada respondeu… Então para provocá-lo no intuito de tentar acordá-lo eu disse erguendo um pouco a voz:

João você me desculpe, mas eu acho que você é um covarde!

Quando eu disse isso ele levantou a cabeça, e me olhou fixamente por uns momentos e depois me disse:

Olha Emmanuel, você tentou me ajudar eu até posso entender isso, mas não me venha dar lição de moral, pois eu já estou no fundo do poço e não preciso ouvir sermões de quem quer que seja, e faça-me um favor! Dê o fora daqui!

Aí ele abaixou a cabeça novamente e ficou imóvel, dava para perceber que ele mais queria era fugir de qualquer coisa do mundo em si. Eu sabia que tinha forçado um pouco para ver se ele reagia, mas ele se fechara de novo e isso não era bom. Eu tinha que tentar qualquer coisa para mudar aquela situação.

Na realidade João talvez não soubesse a onde as crianças estivessem, ou talvez, quem sabe, ele até poderia saber, mas tinha medo de se apresentar aos filhos na situação em que se encontrava e como ele mesmo dissera que estava no fundo do poço e admitia isso. Assim o seu fracasso era total. Eu tinha que tirá-lo daquele marasmo a qualquer custo, não sei como, mas tinha que ter um jeito… Aproveitei que ele estava contido em seus pensamentos tão tristes e aproveitei a oportunidade de ficar meditando um pouco o que deveria fazer com aquele cidadão.

Nossos pensamentos às vezes se parecem como pombos em revoadas, ora como as andorinhas de verão. Ora como os pardais que fica o ano inteiro em voando nas casas, fazendo seus ninhos e seguindo em frente. Como o beija-flor pousando em cada flor retirando o seu mel, o grande oceano que com suas ondas bravias de repente vem suavemente molhar os seus pés na praia, as longínquas estrelas que vem contribuir com seu brilho incessante amenizando a noite junto com a suavidade da lua… Ah! Como é lindo este mundo, como é grande a força da palavra do meu criador!

Como são intermináveis os seus percalços a procura do teu amor para tentar descobrir em você mesmo que você é maior do que tudo isso e muito mais, pois você, você meu irmão, é a maior obra que o arquiteto do universo já fez… Bem, aliás, eu acho que já sei o que eu vou dizer para o João. Mas espera aí, será que ele merece?

Opa! Espera aí você Emmanuel, de que adiantou as palavras que acabou de dizer sobre o amor? A onde está o seu coração? Hein? Você não quer ajudá-lo? Ou está aí apenas passando o tempo para esperar e descobrir mais sobre o Tarso? Por acaso não é quando a pessoa que está próxima de você e precisa de ajuda e exige um pouco mais de você, como é que fica, vai recuar? É muito fácil dar conselhos, falar bonito, mas e o gesto concreto? Mexa-se, tire esse homem desse torpor e o leve para cima, faça com que ele volte a acreditar novamente nas pessoas e principalmente em Deus!

Depois desse terrível conflito interior de mim para comigo resolvi entrar de cabeça e ajudar o João como realmente deveria ser ajudado. Sei que o caso dele não era fácil, mas eu tinha que seguir em frente.

O João estava de um jeito, tão infeliz e pra baixo que se eu titubeasse agora, talvez ele nunca mais se erguesse na vida e por isso mesmo eu me sentiria muito culpado mesmo. Então o jeito é ser bem forte mesmo e mostrar firmeza principalmente nas minhas palavras que iria dizer daqui pra frente. E disse a ele em voz bem alta:
João, João, João.
Repeti três vezes e… Ele nada. Tornei a repetir e…, Nada. Aí eu me enfezei e peguei-o pelos colarinhos e o chacoalhei e disse:

Você, João é um grande covarde, não presta mais pra nada, sabe?…E olhando fixamente para ele, eu deveria mesmo e deixar você na pior, e ir embora, mas não sei o que acontece comigo… Virei à cabeça de lado, como que querendo lutar contra mim mesmo e continuei, olha. Eu já vi muitos caras se entregar na vida, mas igual a você… Esta é a primeira vez, vamos lá cara, reaja, nem tudo está perdido, ou será que está? E olhei novamente fixamente para ele, pra ver se ele reagia, mas ele fazia só era chorar, e isso me causava muita pena. E eu ainda estava lhe segurando pela camisa quando ele balbuciou:

Me solta. Me solta! Disse mais alto, Me solta!
E aí eu o soltei e disse:

É com você não tem jeito mesmo. E o soltei. E continuei – Se você pensa que eu desisti você está muito enganado, não sou de perder uma parada fácil e principalmente de um perdedor como você.

Aí ele começou a reagir e disse:

O que você quer de mim? Eu já não lhe contei tudo? Já não abri o meu coração pra você? Estou esgotado e não quero ninguém perto de mim por isso de o fora daqui, antes que eu perca a paciência com você e resolva lhe dar uns murros, está bem?

Calma, disse eu. Calma, rapaz, ninguém aqui quer brigar… Muito pelo contrario eu só quero apenas lhe ajudar. Ou você acha que eu estou perdendo este tempo todo à toa. Você não acha que eu posso ter alguma solução para o seu caso? Isto é, você acha o seu caso insolúvel? Na realidade, depende mais de você do que de mim, basta que você queira ser ajudado, pois do contrario, só Deus poderá ajudá-lo e assim mesmo se ele estiver disposto.

Neste momento eu dei uma paradinha na minha conversa, talvez mais pra ver a reação de João do que outra coisa. E esperei um pouco, agora era a hora de usar um pouco de gestos psicológicos.
Assim fingi que estava super, chateado com ele, ameacei mesmo me levantar como quem fosse embora, e fiquei firme na minha resolução até que ele resolvesse falar novamente. Eu sabia, no entanto que estava correndo um grande risco, mas eu tinha que tentar, pois a gente nunca sabe qual vai ser a reação do cidadão nestas circunstâncias, ou ele se abre de vez, ou se fecha e manda a gente para inferno… Então fiquei na expectativa.

Aí ele se levantou bruscamente, como que fosse me dar uns murros e. Abraçou-me demoradamente…Engoli seco, veio um nó na minha garganta. E depois me soltando devagar me disse:

O que você quer que eu faça Emmanuel?
Depois daqueles momentos de emoção, consegui me refazer e disse:

Senta aí, vamos conversar com calma e vermos o que podemos fazer. Você sabe a onde seus filhos se encontram? Perguntei. E ele me respondeu que talvez soubesse, mas não tinha certeza, pois não sabia se o safado do amante os tinha levado pra casa ou se os filhos se encontravam na casa da mãe dela. Então eu disse:

É por aí que vamos começar. Só que tem o seguinte, eu tenho algumas economias aqui comigo e nós vamos comprar uma roupa nova pra você e não adianta falar que não, pois, temos que ser apresentáveis e também faça essa barba, pois você está parecendo um macaco desse jeito. A princípio João não queria aceitar, mas diante das possibilidades de ver os seus filhos novamente o fez reviver, e assim partimos pra luta.

Então o levei para onde eu estava hospedado o fiz tomar um demorado banho, depois fez a barba e como ele tinha o mesmo número de roupas que eu, não foi difícil deixar-lhe feito gente de novo, um novo homem e principalmente com a ideia fixa de reaver seus filhos que ele tanto amava.

Eu sabia que as coisas não iam ser fáceis, principalmente em se tratando de família! Sei que isso é um negócio muito serio, porque na realidade eu não fazia a menor ideia como nós iríamos encontrar os ânimos por lá, mesmo porque o João poderia ter me ocultado algum detalhe importante a ponto de sua ex. esposa tomar até então as atitudes que tomou…! Será que ele era tão inocente assim? Não haveria alguma coisa entre os dois que eu não estivesse sabendo?… Bem e por sinal, eu nem tinha condição de “apertar” o João fazendo-lhe novas perguntas, principalmente as do tipo que eu queria saber, e afinal não sou detetive nem nada. Já me foi difícil convencê-lo de ele aceitar a minha proposta de procurar seus filhos… Não, não vou molestá-lo agora.

Esperei calmamente, fiquei meio estático, peguei uma revista velha e fingi estar lendo, procurando por todos os meios não demonstrar que eu estava ansioso, mas de vez em quando eu dava uma levantadinha e esticava o pescoço para ver se ele já estava pronto e de repente a figura se apresenta na sala todo impoluto. Que transformação! Era outra pessoa que estava ali na minha frente. Cheguei até a pensar que aquele homem que estava ali na minha frente não era a mesma, que eu a pouco o tinha levado para a minha casa. Então ele percebendo que eu estava de boca aberta disse:

O que foi? Por acaso você está vendo um fantasma?

E eu respondi:
Não, estou vendo realmente um homem! E continuei – Vamos!
E ele: – Espere!
Esperar o que? Disse eu.
Você não acha que vamos entrar numa roubada? Perguntou.
Não, não acho, o que acho é que você está com medo.
Não é isso, o retrucou, e continuou tenho medo sim é de perder as crianças para sempre.

Sossegue, acalmei-o, deixa que quando nós chegarmos lá, eu irei à frente e tentarei descobrir alguma coisa e se não der certa a minha tentativa tentaremos de novo com outros planos e se eu for bem recebido pela sua ex-sogra aí eu lhe darei o sinal que tudo está bem. Então você poderá se aproximar esta bem assim?

Está, respondeu.

E assim saímos de casa em direção à casa de sua ex-sogra, ou ainda sogra, pois se não houve separação oficial, tudo permanecia como antes. A princípio ele estava muito hesitante, às vezes parava outras vezes ele ameaçava voltar pra trás e tudo isso me deixava com os nervos na flor da pele. Então coloquei meu braço sobre seus ombros e quase que o empurrando seguimos em frente.

A casa da sogra dele não era tão longe, apenas ficava dali alguns quarteirões e conforme combinamos a um quarteirão ele ficou ali parado. Eu já ia saindo, voltei e lhe disse não saia daqui por nada, está bem?

Ele balançou a cabeça com o sinal de sim. Mesmo assim eu tornei a dizer:

Você não vai me decepcionar agora não é mesmo? Segurando fortemente em seu ombro. E ele me olhou fixamente e novamente meneou a cabeça afirmativamente e disse:

Pode ir! Eu vou ficar aqui sim. Quem está mais interessado em ver os filhos sou eu, e se eu cheguei até aqui agora quero ir até ao fim. E eu já saindo:

É assim que se fala.
Na realidade eu estava com medo também. Não sei explicar direito o que se passava comigo, pois o danado do João havia me passado essa insegurança. Eu tinha que ir e fui.

Mas que decepção! Quando cheguei até a casa, toquei a campainha e veio uma criada me atender. Então perguntei pela Dona Yolanda que era o nome da ex-sogra do João que me respondeu que ela havia se mudado daquela casa e que ela era a criada de outra família.

A princípio eu não estava acreditando muito daquela conversa daquela moça e perguntei como era o nome da patroa dela e ela sem pestanejar me disse que o nome dela era Ana. Mas mesmo assim achei que ela poderia estar mentindo e foi então que ela pediu-me para esperar um pouco e voltou junto com uma senhora e que se apresentou como sendo Ana.

De longe meio escondido João me acenou que realmente aquela não era a dona Yolanda, sua ex-sogra. Eu já ia indo embora quando voltei e perguntei se elas conheciam dona Yolanda antiga moradora daquela casa. Elas responderam que sim, mas só que não sabiam pra onde ela tinha mudado. Era viúva e sozinha provavelmente vendeu a casa e acompanhou a filha nessa aventura maluca É, voltamos à estaca zero, e o João ainda mais desesperado, tentou ir embora sem mim começou a andar em círculos… Foi um caos na cabeça dele e eu tinha que segurar aquela barra, de jeito nenhum eu poderia recuar agora.

Seu olho esbugalhado já quase querendo chorar só pensava em tirar aquela roupa e já desabotoando o paletó e tirando-o e ameaçou jogá-lo pra bem longe e foi quando eu intervim e gritei-Não faça isso! Aí ele então recuou… Mas não se deu por satisfeito, saiu correndo como louco e começou a gritar em um desespero total. Isso começou chamar a atenção de muitas pessoas que por ali passavam e por uma dessas coincidências incríveis ouviu-se ao longo do quarteirão uma voz forte e estridente como que um trovão para mudar de vez todo aquele tumulto…

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por xx

CAPITULO 5 – A FAMÍLIA

CAPITULO 5

A FAMÍLIA

Tides era uma menina totalmente diferente de seu irmão, tinha uma vida bem simples e se preocupava com o mano que só andava aprontando, principalmente por causa de sua mãe que não andava muito bem de saúde.

Havia um rapaz bem apessoado que se chamava Adônis e que gostava muito de Tides e ela por sua vez correspondia com ele já que ela também gostava muito dele. Adônis sabia que o namoro com Tides tinha que ser sério, mesmo porque Tides sempre foi muito correta em suas atitudes, isto é, ela levava mesmo a serio e abominava qualquer atitude, principalmente ao referente à moral e aos bons costumes.

Aliás, esse rapaz já havia se encontrado com Tarso e que pelo que fiquei sabendo eles quase que entraram a vias de fato porque Adônis apesar de ser um cara bem pacato era homem e honrava as calças que vestia,

Tarso havia lhe ameaçado várias vezes porque se aproximara da irmã, mas Tides sempre conseguia botar “pano quente” entre os dois com aquele seu jeitinho especial de “apaziguadora”. Adônis sabia que Tarso pertencia a um grupo da pesada, por isso não iria muito adiante a querer enfrentá-lo.

Quando eu fiquei sabendo sobre Adônis resolvi procurá-lo, pensei se ele tinha contato direto com a irmã talvez conseguisse uma “audiência” com o tão propalado dito cujo Tarso. Adônis trabalhava numa firma de informática e seu horário era noturno, o que complicou um pouco a minha aproximação com ele. Descobri o telefone da firma que ele trabalhava e liguei pra lá. Do outro lado da linha me responderam que Adônis tinha ido viajar a serviço da empresa e que iria ficar alguns dias fora.

Bem, nessa altura do campeonato só me resta esperar domingo para tentar encontrar com a mãe de Tarso na missa, pensei.

A minha aproximação com a mãe dele talvez não produzisse os frutos desejados, mas era uma maneira de me aproximar de Tarso através de sua mãe. Eu sabia que me era difícil conversar com uma senhora cheia de sofrimentos principalmente por causa de seu filho que tantos problemas lhe haviam causado. Mas não tinha outro jeito apesar de que minha vontade era a de encontra-me com Tarso, figura principal de toda a minha pesquisa. Esperei então que chegasse o domingo, a fim de me encontrar com sua mãe.

Amanheceu um dia muito bonito, ao clarear o dia a relva ainda estava molhada pelo orvalho da noite e lá no horizonte ainda se via a cor laranja da aproximação do sol, enquanto que os galos ainda cantavam, e o trinar de alguns passarinhos e algumas pessoas aparecendo na rua por conta de seus afazeres; enfim, um dia maravilhoso e ainda era sábado.

Eu por minha vez já estava bem ansioso por ter que conversar com dona Conceição, porem o domingo só será amanhã, e aproveitei aquela manhã para tentar conversar com algumas pessoas que passavam pela rua. Sei lá, mas o fato é que eu estava louco pra jogar conversa fora seja lá com quem fosse somente para passar as horas daquele lugar tão pacato e solitário.

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CAPITULO 4 – OS AMIGOS DE TARSO

CAPITULO 4

OS AMIGOS DE TARSO

Enquanto isso Tarso se reunia com sua turma. Como é de se esperar quando um grupo de jovens se reúne e sem ter algum motivo de imediato para resolver ou fazer e acontecer, eles ficam inquietos. Geralmente costumam ter alguma coisa em suas mãos e principalmente quando o líder não resolve se pronunciar, eles ficam brincando com o que estiver na mão e às vezes jogam em outro jovem o que pode provocar até uma briga. Mas isso tudo pode ser resolvido facilmente quando o líder grita em voz mais alta, pois todos os demais têm medo do líder.

Tarso até que exercia certa liderança no grupo, só que tinha outros que gostavam de liderar apesar de saber que Tarso era o mais inteligente da turma. Porem na hora de tomar grandes decisões era o Pedro quem falava mais alto. Pedro tinha um grande fascínio pelas coisas complicadas, gostava de mostrar-se mais forte do que qualquer um, pois seu porte físico era bem avantajado e era o que tinha a moto mais potente do grupo.

Tarso sabia que ele tinha um grande plano para o grupo executar. Primeiro porque Pedro não se dava muito com os pais nem com os mestres da escola, pois já fora expulso duas vezes, sendo que seus pais sempre o tiravam do sufoco. Ele não suportava a ideia de ser mandado por alguém, principalmente se fosse para lhe dar lição de moral. Para ele tudo era permissível, tudo era lícito, nada poderia tirar-lhe a liberdade. Por isso mesmo ele exercia certo fascínio pelos demais pela sua corajosa maneira de agir. Até Tarso o admirava por isso. Pedro então gostava de tirar proveito dessas situações, o que mantinha o grupo unido.

Porem tudo na vida cansa mesmo os liderados tem a tendência de ficarem insatisfeitos, quando os líderes não apresentam nada de novo, que os façam ficar atentos aos novos ditames da liderança, que os chame a atenção, que estão acostumados a presenciar. Pedro sabia disso e por isso mesmo tinha que tomar uma decisão urgente para não perder a liderança, ou pelo menos manter as aparências. Tarso estava de olho nele, e sabia, no entanto que a corajosa decisão que estava para ser tomada tinha que ser bem refletida, por isso mesmo propôs uma reunião, para melhor tratar do assunto em questão.

Tarso então disse:

Pedro! Precisamos conversar.

E o chamou de lado, pois não queria que os outros ouvissem. E Pedro com um gesto de quem não estava entendendo, apenas acenou a cabeça com um olhar de desconfiado e de indagação:

O que você quer? E Tarso insistindo no gesto de menear a cabeça convidando-o a se isolar do grupo.

A princípio Pedro relutou em atender a Tarso, tentando mostrar, que ali quem mandava era ele, e que ninguém, nem mesmo o Tarso, poderia chamá-lo daquela maneira, mesmo que sendo para uma simples conversa. Mas Tarso continuou insistindo:

Vamos lá, cara, é importante. Você sabe o que é! E sei que não gostaria que alguns caras por aí soubessem, de uma maneira atravessada, e começassem a dar palpites desnecessários, procurando atrapalhar você.

Aí Pedro se sentiu superior e levantou-se para acompanhar Tarso. E Tarso disse:

Hei cara, você tem certeza que está na hora de executar aquele plano?

Pedro, como se não houvesse ouvido direito, disse:
Como assim!

E Tarso:
Você sabe o que é?

E Pedro:
Não sei não.

E Tarso já ficando nervoso e agarrando Pedro pela camisa:
Que isso cara, tá querendo me chatear?

E Pedro, forçando-lhe tirar as mãos da sua camisa:
Não lhe devo satisfação nenhuma e se manda, porque não too a fim de papear.

Tarso ficou ainda mais nervoso, seus olhos brilhavam, pois sabia que não podia perder aquela parada por nada desse mundo, e tinha que resolver aquilo nem que fosse à base de “tapa” e dando um empurrão no Pedro:

Você vai conversar sim, ou vou te entregar para os outros que você não quer conversar porque está com medo!

Aí Pedro resolveu também empurrar o Tarso, e disse: Já falei que não quero papo nenhum com você e não tenho medo de nada, falou?

E Tarso disse:

Você é um covarde metido a gostosão e não resolve nada, você não manda nem na sua moto, falou?

Nessas alturas Pedro ficou furioso e entrou em luta corporal com Tarso deferindo-lhe um soco na cara, e Tarso revidou e a briga tornou-se de grandes proporções e ambos se rolaram no chão. Aí Pedro pegou uma estaca para acertar Tarso na cabeça, mas Tarso conseguiu se desviar, e passar-lhe uma rasteira derrubando-o no chão e subindo em cima dele deferindo-lhe vários murros até que Pedro perdesse os sentidos. Só então é que apareceu a turma do “deixa disso” para apartar a briga.

Esse episódio causou grande constrangimento em todos, pois apesar das divergências entre alguns membros do grupo ambos eram muitos queridos de todos. E por isso mesmo ficou no ar um clima bastante desagradável. Fernando olhou com um olhar de indignação, Mauro, só com o olhar parecia que iria ferir Tarso, enfim todos que ali estavam de alguma maneira queriam recriminar os dois, e principalmente o Tarso que havia levado a melhor.

Logicamente que os pensamentos de muitos que estavam ali, e principalmente por serem adolescentes, era o de vingança bem como se possível até jogar uma bomba na casa de Tarso, queimar todo o mundo e assim por diante… Ainda bem que eram apenas pensamentos… Isso só concorreu para enfraquecer o grupo. Mas havia qualquer coisa no ar e que às vezes todas as atenções eram voltadas pra uma determinada pessoa

De qualquer forma o ambiente ali, jamais seria o mesmo, agora a liderança já não estava tão dividida como antes, porque parece que Tarso mesmo sem querer estava liderando mais do que nunca.

Talvez pelo medo ou por excesso de respeito, mas o fato é que Tarso tinha nas mãos a grande responsabilidade do grupo e poderia fazer ou desfazer de qualquer ordem de quem quer que fosse. Só que essa liderança iria trazer grandes aborrecimentos principalmente para Tarso, que apesar de ter fama de ruim era bem pacífico.

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CAPITULO 3 – A GRANDE BUSCA

CAPITULO 3

A GRANDE BUSCA

E não demorou muito para começar a agir. Fui logo procurando pelo Tarso, perguntando às pessoas que possivelmente poderiam ter algum contato com o rapaz, até que nessa minha busca acabei por encontrar um senhor de nome Sabino que conhecia, ou melhor, que tinha muita amizade com o pai de Tarso e me disse:

– O senhor o conhece? Perguntou ele.

– Não, respondi.

– Seria bom que o senhor nunca se aproximasse dele.

– Por quê? Perguntei.

– Ele é um rapaz muito rebelde, e ainda por cima anda com uma turma da pesada, que vive aprontando na cidade.

– Mas isso não me impede de eu me aproximar dele, retruquei.

– Se eu fosse o senhor eu não faria isso, disse ele.

– Ele é tão perigoso assim? Perguntei.

– Só sei que sua fama não é nada boa, conheço o seu pai, tão boa gente e tem um filho, que só lhe dá desgostos. Disse Sabino.

– Alguém já tentou lhe ajudar, dar alguns conselhos, etc…? Perguntei.

– Já, muitos já tentaram, mas nada conseguiram. Disse. O pai dele já fez de tudo, consultou psicólogo, conversou até com o pároco, de sua comunidade, mas o menino não escuta ninguém, realmente é um caso perdido.

– Bem senhor Sabino, obrigado pelas informações. Disse

– Eu sabia que tinha pela frente um enorme angu de caroço para enfrentar, porém estava consciente. Essa minha mania de querer ajudar o outro já me deu grandes dores de cabeça, mas eu não aprendo, mal acabo de sair de uma e já estou em outra.
Saí à procura de outras informações que pudessem me ajudar a me aproximar de Tarso e sabia que não ia ser fácil. Ah! Se pelo menos pudesse me encontrar com a mãe dele, bem o jeito é ir procurá-la.
Eu sabia que o melhor lugar para me encontrar com a mãe dele poderia ser na igreja, local que ela mais frequenta.

Fui até o padre e perguntei a hora da missa. Eu sabia que era no domingo e a missa era celebrada às nove horas da manhã e hoje ainda é quarta feira.

Então eu tive tempo para tentar procurar outras pessoas que tivessem contato com Tarso, afinal se eu pudesse adquirir mais informações com outras pessoas, melhor seria para mim. Fui então a um bar que ficava ali na praça, e que me parecia no primeiro contato visual um lugar muito mal frequentado, assim me parecia um lugar ideal, a julgar pelas informações que eu até ali já tinha obtido de Tarso.

Entrei no bar e pedi um suco de laranja, para ganhar tempo e tentar conversar com alguém. Assim que o dono do bar me entregou o suco ele me disse:

– O senhor não é daqui, não é mesmo, conheço todo pessoal que frequenta este bar, e sei muito bem, também que dificilmente alguém me pediria um suco de laranja a estas horas do dia.
Tomei alguns goles do suco e pensei que com ele seria fácil de arrancar alguma coisa que mencionasse Tarso ou o grupo dele. Porem a coisa não era tão fácil assim, pois logo que eu estava tomando o suco ele se afastou como se tivesse alguma coisa por fazer.

Não desanimei, chamei-o e perguntei-lhe:
– Como é a sua graça?

– Manoel, respondeu ele.

– Coincidência. “Somos xarás”, disse-lhe.

Muito bem xará, fiz-lhe uma pergunta e o senhor não me respondeu, disse ele.
– Realmente eu sou novato aqui na cidade, mas que mal há em tomar um suco de laranja agora? Perguntei

– Nenhuma. Respondeu ele, apenas fiquei curioso.

Tomei mais alguns goles do suco, e continuei:

– Sou muito amigo da família de Tarso, o senhor o conhece não?

– Sim, claro, respondeu. De vez em quando ele aparece por aqui com alguns de seus amigos para tomar umas cervejas, são muito alegres, sabe só que às vezes eles exageram, e aí sou forçado a pedir que eles se retirem, mas nunca me deram muita dor de cabeça.

– Quer dizer que eles nunca quebraram nada por aqui? Perguntei:

Aí meu xará ficou um tanto desconfiado e me perguntou:

– O senhor é da policia?

– Não. Respondi.

Percebi que a partir daquele momento meu xará ficou bastante preocupado e com medo de receber uma represália, do grupo de Tarso, pois sua fama era a pior possível, mudou o tom da voz:

– Olha, xará, eu sou apenas um profissional que trabalha atrás do balcão, e não posso ficar observando todos os fregueses que por aqui passo, eu trabalho cerca de dezesseis horas por dia e quando chego à casa só tenho vontade de dormir. Não tenho o costume de ficar bisbilhotando a vida de quem quer que seja, tenho uma senhora úlcera que me impede de fazer muita coisa que eu gostaria de fazer porem não pode já que meu tempo também é escasso… E bem, o suco é de graça, fica por conta da casa, com licença.

Aí ele saiu de perto de mim e entrou por uma porta que fica no fundo do bar. Fiquei um pouco decepcionado, porem sabia que dele eu não conseguiria mais nada. Mas eu tinha uma certeza; todos aqueles que tiveram contato com Tarso, tinham medo dele, não sei se pelo seu porte físico ou pelas ameaças que ele costumava fazer para todos aqueles que ousassem interferir em suas ações.

– Restava-me então procurar Tides, a sua irmã, a quem ele tinha certo respeito, e confidenciava com ela as suas frustrações.
Procurei me aproximar dela sutilmente, pra não causar nenhum impacto, pois poderia por tudo a perder e aí ficaria mais difícil me aproximar de Tarso.

Tides costumava ir almoçar numa lanchonete perto da firma e sempre estava acompanhada de alguns colegas de trabalho.
Eu teria que ir lá sem ser notado e procurar ver seus movimentos simples e aproveitar uma boa ocasião para entrar em contato com ela de uma maneira agradável. Como fazê-lo? Ah! Já sei.
Tides já estava almoçando quando seu suco acabou aí ela se levantou e:

Distraidamente, se esbarrou em mim, pois eu já havia percebido que ela viria em minha direção, pois a jarra de suco estava ali perto de mim:

– Desculpe-me disse ela.

– Não foi nada, respondi.
E ela, como que querendo ainda se desculpar, tal era a sua polidez, tão diferente do irmão, que só pensava em destruir a felicidade dos outros:

– É que estou com um pouco de pressa, pois já estou atrasada e tenho poucos minutos para almoçar…

Esta foi a minha deixa.

Percebi que ela estava bastante nervosa, e que não era por causa da pressa de voltar para o trabalho, mas havia nela também um olhar de tristeza quase querendo chorar. Refleti bastante antes de voltar a falar qualquer coisa com ela, sabia que tinha que ser mais sutil do que nunca! Tinha que pensar o que dizer sem que com isso, eu a magoasse de alguma maneira. O momento era realmente difícil, e tinha que ser com bastante cautela. Disse:

– Não se preocupe seu chefe vai lhe perdoar se você chegar um pouquinho atrasada, ou será que ele é um carrasco, disse em tom de brincadeira, para ver se ela também sorrisse.

– Não é bem assim disse ela. E continuou: Sou muito responsável e não gostaria de perder essa imagem nunca, principalmente com o meu chefe.
Gostaria de conversar com você, disse, e ela me olhando com certo olhar de curiosidade, mas ainda distante, nem respondeu que sim ou que não.

– O senhor é algum inspetor do colégio? Ou é gerente da minha loja, ou melhor, da loja em que trabalho? Ou…

– Não é nada disso retruquei, parei um pouco, abaixei a cabeça, pelo menos para tentar desfazer aquela impressão de intruso que eu causava a ela. – Eu sei que fica difícil para uma moça dar atenção principalmente a um estranho, disse, mas era preciso, pois gostaria de conversar com você a respeito de seu irmão… É Saulo o nome dele não?

Tides me olhou fixamente, por alguns segundos e me disse:

– Já sei! O senhor é detetive e quer prender o meu irmão. E levantando se da cadeira, ele não fez nada, senhor policial, tenha piedade, com licença, tenho que ir. E se foi rapidamente, atravessando a rua quase que correndo.

Fiquei desolado, era a minha chance de saber alguma coisa para me aproximar de Tarso, e nada consegui. Será que estou usando a tática errada? Acho que vou ter que mudar, se bem que não estou errado em começar perguntando pelas pessoas que o cercam.

Afinal alguém vai ter que se abrir para mim. Eu tenho certeza de que se eu chegar direto a Tarso, ele não só não irá me receber como poderá usar a força para me expulsar dali. Conheço bem esse tipo de gente e sei o que eles são capazes de fazer quando são incomodados, principalmente se estiverem enturmados.

Restava-me, então, chegar domingo na hora da missa, para eu tentar conversar com a mãe dele, apesar de talvez ela também já está avisada, que havia um cara perguntando por Tarso, e se isso aconteceu as minhas chances seriam bem pequenas. De qualquer forma vou esperar, tenho todo o tempo do mundo e vou aproveitar a deixa para refletir um pouco o que realmente deva fazer daqui pra frente.

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CAPITULO 2 – A TRAJETÓRIA DE TARSO

CAPITULO 2

A TRAJETÓRIA DE TARSO

Havia uma família, que era pobre, mas feliz, bem feliz em termos, pois nem todos estavam satisfeitos com a situação em que vivia, o Tarso era um cara bastante diferente, esse nome o pai lhe dera, o Sr. Afonso, porque achava que tinha certa semelhança fisionômica com Paulo, quando nasceu, pois o Sr. Afonso era muito religioso e tinha lá as suas manias.

Como na família já tinha bastante gente com o nome de Paulo, então ele resolveu colocar-lhe o nome de Tarso, e que Tarso… Muito revoltado, brigão, inconstante e outros adjetivos que tais. Dona Conceição, piedosa senhora era a sua mãe, que tentava por todos os meios aconselhá-lo, sem conseguir nada apesar de todos os seus esforços.

Tudo começou, quando Tarso entrara no ginásio, arrumou uma turminha da pesada e consequentemente arrumou muita confusão não só no ginásio como na rua também, acabou sendo preso por várias vezes, e o que é pior era seu pai que com aquela paciência toda ia soltá-lo. Seu Afonso sentava com ele, no carro, no restaurante, em casa e em várias situações tentando por todos os meios, tirá-lo daquela situação, num esforço incrível, para tentar conscientizá-lo:

– Meu filho você sempre foi um bom rapaz, sinceramente não sei o que aconteceu com aquele cara que sempre nos ajudava, nos dava atenção… E virando-se para ele encarando-o com olhar de ternura – sua mãe, Ah! Sua mãe chora todos os dias.
Não sei mais o que fazer, para consolá-la e não tenho mais argumentos e fico triste em não poder resolver esta situação, e…
Tarso retrucou:

– Vou falar com ela.
Seu Afonso deu uma olhada de desconfiança pra ele.

– É, vou sim falar com mamãe, o senhor pode não acreditar, mas eu devo isso a ela, e é só isso, mais nada.

Porem seu Afonso sabia muito bem que Tarso jamais cumpriria, pois tal era a sua rebeldia que ele tratava os pais como se fossem seus meros empregados, a única esperança era a sua irmã a Tides, a quem Tarso lhe devia muitos favores e vivia tirando ele nas enrascadas em que ele se metia.

Tides era uma moça esperta, com seus dezoito anos. Já tinha entrado na faculdade de direito, pois começara bem cedo a estudar e isso a ajudou muito, também pelo seu esforço natural, desde cedo sempre ajudara os pais, trabalhava numa papelaria e estudava a noite, rotina que até hoje ela segue rigorosamente.

– Mãe, a senhora passou minha blusa branca?
– Sim, filha, está nos seus guarda-roupas, respondeu a mãe.
– Ande logo para não se atrasar, disse a mãe.

Após alguns minutos de silêncio, Dona Conceição continuou a conversa.

– Você viu seu irmão hoje?

– Não, não vi não, respondeu Tides, já olhando com certo olhar de desconfiança para sua mãe. Ela sabia que sua mãe era preocupadíssima com as atitudes de Tarso, e sofria muito por isso, porem procurava não demonstrar que também ela estava preocupada. – Calma mãe quem é vivo sempre aparece, e beijando o rosto da mãe:
Daqui a pouco ele aparecerá, tenho certeza disso. E percebendo que sua mãe estava chorando.

– Mãe,… Mãezinha da Silva, não se aborreça! Deixe que eu vá dar uma procurada nele, o pai,… O pai coitado, já foi atrás dele tantas vezes, que eu já perdi a conta.

– Como é que você não quer que eu me preocupe sabendo do que esse menino é capaz de fazer? Já estou esgotada, já rezei tanto, já fiz promessas, e… Chorando mais, ele ainda me maltrata com suas palavras não sei mais o que fazer.

Tides já não tinha muito tempo para conversar com sua mãe, pois ela tinha que ir para escola e tinha prova na primeira aula, apenas deu um abraço bem forte, em sua mãe acariciando seus cabelos, e dizendo em palavras doces, como que para acalmar, quase que sussurrando, disse:

– Olha. Nós vamos encontrar uma solução,… Eu tenho certeza disso! Tá bem? Levante essa cabeça, tenha fé, vamos dar um jeito nisso, certo, e beijando a mãe novamente.

– No fundo…, No fundo, Tarso é um bom rapaz. Por favor, mãe… Tente acreditar nisso pelo menos. – Agora tenho que ir, pois senão vou perder a primeira aula, Tchau, te amo, tá?

– Tchau respondeu a mãe, já mais calma, vá com Deus.
Todo o dia era esse mesmo ritual, porem Tides sabia que tinha que tomar alguma providência, já que a sua mãe não andava muito boa, mas lhe era muito difícil, pois andava tão atarefada que não tinha muito tempo para resolver os problemas de família, e ela sabia, que a maior doença da mãe era o Tarso. Seria uma maravilha se ele voltasse a ser aquele menino bonzinho que brincava com ela, quando eles eram menores e um sempre ajudava o outro, por isso mesmo é que Tarso tinha verdadeira adoração pela irmã.

Mas a vida é cruel nunca sai como a gente gostaria que fosse, e Tarso era um grande problema para a família, tirava o sono de todos de casa, o que fazer para melhorar esta situação?

Todos queriam ajudá-lo, porém ele não ouvia ninguém, mesmo Tides com toda a sua diplomacia dificilmente penetrava naquele coração endurecido.
Então adivinha quem apareceu na jogada, como se fosse um anjo da guarda para salvar a todos daquela situação inquietante o velho “Mane” com aquele jeitão que só ele sabia fazer para tentar ajudar a alguém.

Eu sabia, porém das dificuldades que iria enfrentar, conhecia muito pouco a Tarso, sabia sim de sua rebeldia que era contada pelos outros.
Precisaria primeiro conhecer a família, entrar em contato com os pais conversar com a irmã para saber que tipo de vida Tarso estava levando, conhecer também seus amigos, principalmente os mais íntimos a quem ele devotava maior confiança já que quanto a sua família ele havia passado para traz. Tudo isso levaria tempo, e eu, Emanuel, tinha que enfrentar:

Mas porque tanto interesse por esta família já que existem tantos casos semelhantes a esse e principalmente quando não se conhece ninguém que possa causar uma impressão capaz de mudar o sentimento de quem quer que seja! Mas eu gosto mesmo de enfrentar todas as dificuldades que possam surgir diante de mim, sou assim mesmo e gosto de enfrentar grandes dificuldades, é assim mesmo que eu sou, ora essa!

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CAPÍTULO 1 – EMMANUEL

CAPÍTULO 1

EMMANUEL

Emmanuel é o tipo do sujeito que não tem nenhuma parada, vive quase que as expensas de quem o ajudem, faz um trabalhinho aqui, outro ali, e gosta de receber tão logo finde o seu trabalho, não cobra caro, e se a pessoa disser a ele que não tem dinheiro ele apenas abana a cabeça e vai embora. Ele parece que não tem família, outro dia mesmo quando estava amolando uma tesoura para a dona Chiquinha, perguntei de onde ele vinha – desconversou, desconversou, forcei, mas não consegui arrancar nada. É uma “figura”, todos gostam dele, e sabem que está sempre pronto para ajudar.

Toda vez que eu me sinto sozinho, conversando com meus botões vou ao jardim de minha cidade e fico muito tempo meditando sobre a minha vida, principalmente o que poderia ter acontecido comigo se eu tivesse estudado mais se as condições financeiras tivessem me ajudado a progredir na vida ou se eu tivesse me casado com aquela filha de fazendeiro e assim por diante; e eis que senão quando aparece o Mané como é o apelido carinhoso que lhe impusemos.

– Oi mane, digo, e ele.
– Oi
– Você, sempre adivinha quando estou aqui, não é mesmo? Disse eu.
– É, responde ele.

Ficamos alguns minutos em silêncio, olhamos o que está acontecendo em nossa volta, como que se estivéssemos procurando alguma coisa, para começarmos um assunto. Esse ritual já vem acontecendo faz algum tempo, basta-me estar lá no jardim e já vem o Mane com aquele jeitão dele se aproximando de mim. Mas eu gosto, não é por nada afinal ele me faz rir, conversamos bastante e assim passamos às vezes horas e horas agradáveis.
– Você está muito pensativo hoje, disse ele.
– É, estou mesmo, respondi.
Aí ele já passa a mão na minha cabeça, olha-me com muita ternura e diz:
– Posso ajudar em alguma coisa?
– Pode, digo eu.
– No que? Diz ele
– Você sabe o que estou pensando? Disse eu.
– Pela sua cara, não é boa coisa, respondeu.
– É… São coisas de minha vida que não vai lhe interessar, é maçante, vai lhe dar dor de cabeça. Disse.
– Como é que você sabe que eu não sei… Disse e disfarçou, quando percebeu que não era para ele dizer assim, e continuou:
– Já conheço você há muito tempo, e, sei como você age quando está infeliz.
– São as frustrações de minha vida, disse, aí começo a pensar o que fiz ou deixei de fazer no passado… É, eu poderia ser hoje um doutor, um engenheiro, mas não sou nada…Não fiz nada nessa vida.
Ele percebeu que eu disfarçava continuamente olhando para os lados ou para cima até que continuássemos a conversa, passaram-se alguns minutos e continuei:
– Mas isso não tem nada a ver com você ou quem quer que seja, o que adianta chorar o leite derramado, não é mesmo? A única coisa que sei é que passei toda minha vida em branco.
– É sempre assim, disse.
– Como assim? Perguntei
– Deixa pra lá, respondeu e continuou:
– Se você não quer se abrir comigo, o que posso fazer, não se pode ajudar uma pessoa, se ela não colabora, não é mesmo?
– Eu compreendo a sua boa vontade para comigo, eu disse, mas eu tenho certeza que você não vai resolver o meu problema, o que me adianta confessar a minha intimas inquietudes, se meus fracassos são irreversíveis?
– Estou achando você muito melodramático, disse Manuel.
– Pode ser, mas conte-me uma historia para melhorar o meu baixo astral, disse eu.
– Muito bem se é isso o que você quer… Disse ele
Como eu vou lhe contar uma historia…, Talvez eu tenha que me lembrar de um fato que aconteceu há algum tempo, é isso mesmo, acho que já sei o que vai lhe impressionar:

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